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sexta-feira, novembro 08, 2013

Poeira das Estrelas


     Céu estrelado, pernas para o alto, olhos encantados. Por um momento era ela contra o espelho, o espelho contra ela. Cabelos desajeitados, cara amassada, sorriso amarelado. Dizem por ai que é uma dessas pessoas donas de uma beleza completamente exótica. Não consegue enxergar tal indivíduo. A explosão de cores, pensamentos, desejos e emoções passou. Murchou-se, amargou. Deram limites para o perfume da mais rara flor. Disseram-lhe o que fazer, como se pronunciar, como se portar. A verdade é que ela é dessas que quanto mais liberdade a dá, mais incrível passa a ser. Em seu interior relutava contra todas as fórmulas comportamentais, no exterior tornava-se claro que a vida estava em escassez. Não possuía mais botas coloridas, calças estampadas ou camisas amassadas. Quase não dava mais para ver sua alma, não fosse pelos pequenos raios de inspiração que habitavam seus olhos quando fazia a única coisa que não a impediram: sonhava. Tinha tudo em mãos, não tinha nada. Uma visão apaixonada pelos rajados de cor escondidos no universo acinzentado. Cada vez que avistava o mundo de uma nova forma, irradiava inspiração. 
     Agarrou uma câmera antiga, uns lápis rachados e uma caderneta de bolsa. Atirou um casaco, uma calça e um par de meias na maleta. Colocou os óculos de grau. Partiu. Sem dizer tchau, sem deixar pegadas. Pegou o primeiro trem que avistou. Desceu onde simpatizou. Viu, fotografou, desenhou. Estava por aí, colorindo a própria vida, esquecendo do mundo, quando percebeu olhos curiosos a observando no banco da praça. A olhava, fazia gestos de desaprovação e continuava a leitura de uma daquelas versões minúsculas para bolso de romances épicos. Ela era daquelas que com um olhar já sabia se gostava ou detestava. E ele simplesmente a irritava. Tinha daqueles cabelos grandes demais para ser alguém sério, cacheado, extremamente preto e bagunçado. Sorria torto, usava jeans surrados e tinha jeito de quem nunca usou um ferro de passar na vida. Ignorou os pensamentos sobre o intrigante estranho e foi comprar algo para beber. Com uma garrafa de Coca-Cola nas mãos retornou à posição inicial e ficou por lá, ouvindo o desentoado canto das corujas naquele fim de tarde. 
     - Quer dizer que essa gente que vive da arte e tem cara de ambientalista insuportável acha aceitável beber Coca-Cola?
     - Que?
    - Nada não, só acho que vocês têm muitas causas que salvariam o mundo para trabalhar no lugar de ficar sentada na praça se entupindo de porcaria.
     - E desde de quando você acha que sabe quem sou eu?
     - Não sei, mas belo seu jeito deve ser contra o governo, todas as imposições capitalistas e blábláblá.
     - Ah pronto! A última coisa que tô precisando hoje é de alguém pra vir encher o saco.
     - Ta vai, foi mal. Você só me intrigou.
     - Que jeito de conhecer alguém hein?
     - Já pedi desculpa. Aceita se tiver afim.
     - Ta, ta. Nada a ver não.
     Entretanto o garoto parecia continuar intrigado com algo.
     - Posso ver o que você desenhou?
     - Olha ai.
     - Sabia! Você é maluca mesmo.- E uma risada sem graça invadiu a praça.
     - Porque?
     - Porque tem visão para o mundo.
     Continuaram nessa enrolação de personalidades que causam explosão. 
     - Ta afim de comer alguma coisa? Sou o melhor chef de cozinha especializado em macarrão instantâneo da praça!
     Ela aceitou e acabou descobrindo alguém capaz de desengasgar seus sorrisos. Ele conseguia tirar a poeira da estrela, ela devolvia o favor com desenhos em seu pulso. Acontece que eram impossíveis de serem compreendidos, mas eram impossíveis juntos. Como flores que desabrocham fora da época. Como livros de história inacabados. Perfeitamente irreais. Lembrança incapaz.

Tempo Demais, Tempo de Menos


      As costelas desabrocham para o mundo, diafragma erguido, pulmões murchos. Costelas contraídas, diafragma preguiçoso, pulmões valentes. Expira, inspira. Inspirar. Inspiração. Sonhar. Criar. Ser. Talvez já velha demais para seus sonhos. Pálpebras retraídas, o desejo de uma mente barulhenta silenciosa para trocar pela sua silenciosamente estrondosa. Passos firmes, cabeça para o alto, coração desacelerado. Nada funciona. No terceiro passo, uma pegada em falso para arrancar um sorriso dos lábios. Tempo demais, tempo de menos. A felicidade sempre esteve longe demais. A distração momentânea durou. Questionamentos sobre os mais marcantes pensamentos. Se a saudade aperta, o que fazer? Se sorri engasgado será que há algo errado? Se lembra de um tempo conturbado, nebuloso e descontrolado. Não gosta de quando a maré se acalma, o sol brilha e a certeza domina. É desconfortavelmente certo. Incontrolavelmente errado. Trata-se da última coisa necessária para a paz da alma. Bem e mal dados as mãos. Assopra a vela, apaga a chama. Qual a cor dos meus olhos? Imprecisamente sem graça. Falta um certo tempero, um toque das minhas tintas tão coloridas. Reclama de tudo, faz uvas passas da alma. Não inspira. Segurança segura. Diminui o tom. Inspira, expira. Trata-se de demais para mim. Se os pensamentos fossem retilíneos, não seriam meus. Se tudo fosse certo, desenhado do jeito que o mundo deseja, não seria eu.