Pesquisar este blog

quinta-feira, junho 27, 2013

Flores no olhar.


  Passos incompletos pisoteiam um passado incerto. Ela ria engraçado, tinha um andar desajeitado, cabelos perfeitamente bagunçados e olhos que brilhavam. Era de poucas palavras, escolhidas detalhadamente. Observava quem se aproximava para evitar grandes facadas. Admirava o céu e acreditava na mágica presente na refração de um arco íris. Tocava um falso piano desentonado com a ponta dos dedos enquanto  dançava sozinha pela rua. Era uma perfeita desajustada. Amarraram-lhe os cadarços e ensinaram a caminhar. Com os dedos encrustados à terra perdeu a caderneta de ideias ao mesmo tempo que o olhar parou de iluminar, restava-lhe se enquadrar.
  Pegadas cantaroladas por alguma melodia folk, tênis detonados, cabelos assanhados, jeans surrados, barba mal feita. Entre os dedos uma harmoniosa garrafa de Coca-Cola. Ele era diferente, estranho, bizarro, charmoso. Desleixado por fora, sonhador por dentro. Almejava ser um artista plástico/músico/escritor com humildes frases para definição. Passava o tempo de folga em asilos. Gostava das histórias com aroma mofado.
  Ele, como costumeiro, sentou-se em um banco qualquer de uma praça qualquer debaixo de uma árvore que não parecia ser qualquer uma. Nenhuma folha nos galhos, apenas flores exibicionistas de coloração azulada. poderia ter levantado e ido embora, poderia ter ignorado, mas avistou uma velha caderneta borrada perdida em meio à grama. Levantou, agarrou-la e fascinou-se com as magníficas interpretações da vida que essa contia. Não tinha telefone, endereço nem nome, era marcada por uma simples inicial bordada. A realidade superou o desejo de descobrir o dono. Os anos correram como as chuvas em março. Não era novo o suficiente para se tornar jovem, mas também não era velho suficiente para envelhecer. Estacionou ali, naqueles vinte e poucos anos.
  Ela passava na calçada quando viu a velha caderneta jogada ao chão. Apanhou-a. Esfregou os olhos e conferiu a capa: era a sua. Desligou o telefone da agenda compromissada e sentou-se com o livreto ao colo. O vento o soprou para uma página qualquer, um telefone anotado em caneta preta - ela nunca utilizara aquela tonalidade já que a julgava extremamente sem sentimentos - " se ainda estiver vivo, me liga", estava escrito logo abaixo. Estranhou, suspeitou, suspirou e lembrou-se de seus ideais instintivos. Ligou.
- Quem é? - perguntou com voz trêmula.
- Quem você ligou. - respondeu friamente.
- Então, alguém deixou esse número em uma caderneta que eu perdi há anos...
- Calma ai, é sério isso?
- Não não, sou sua vizinha de janela que te observa todos os dias ai hoje resolvi procurar seu número no catálogo... CLARO QUE É SÉRIO NÉ. Pode falar, o que ta acontecendo?
- A história é longa, mas resumindo, sempre quis conhecer o autor genial desse caderno... Aceita um café?
- Que?
- Café! - ele gritou.
- Ah, ta bom vai. Onde?
- Ali no Tifanny's da esquina da Abriu com a Coronel José.
- Daqui meia hora tô lá.
- Ó lá hein. - bateu o telefone.
   Quanto mais bizarra a história ficava, mais confusa a mente de ambos se tornava. Café tomado, história explicada. Conversa vai, conversa vem, ele disse que havia acabado de se mudar para uma casinha, daquelas charmosas com janela na frente e sacadinha por cima do jardim. Ela confessou amar jardinagem e se ofereceu para ajudá-lo com o jardim. Dali pra frente as tardes de conversas começaram a ficar mais frequentes, o café já ficava pronto sempre ás 15 horas e os celulares foram abandonados. Pouco à pouco faíscas de brilho foram brotando nos olhos daquela não mais menina. As risadas eram consequências.
   Sentados em meio ao mais novo jardim, ela suspirou fundo e, com o coração ainda congelado, confessou não ter mais motivos para retornar. Ele, com um pequeno borrão de terra no rosto, derrubou-a na grama, avistou seus olhos e disse ser impossível ter escrito aquela velha caderneta. Irritou-a ainda mais ao pronunciar que aquela garota era capaz de sonhar e de aproveitar a vida, diferentemente daquela velha amargurada que o ligou semanas atrás. Inexplicavelmente beijou-a.
- Se você ficar sem mim vai voltar a ter aquela chatice toda.
  Se entreolhavam surpresos e serenos. Era possível sentir a rosa vermelha que fora plantada no interior. Não se sabe se durou, não se sabe se acabou, mas ali, naquele momento, sabe-se que nunca se viu olhos tão reluzentes.

quarta-feira, junho 26, 2013

Entre as sombras ensolaradas


A sombra fúnebre anuncia que os olhos cessaram o brilho. O dia escurece em tons alaranjados enquanto os pensamentos estão entrelaçados. Sentimento de perca da essência esperançosa, criativa, sorridente. Perdida pelos corredores que parecem desaguar em um único mar cinza perolado. Ajeita os óculos, tenta alinhar os fios de cabelo. Nenhum sorriso, nenhum cumprimento. Sendo invadida pelo estrondoso silêncio da orquestra de morcegos. As gargalhadas eram de vidro; as lágrimas de pelúcia. As vozes sussurram no ouvido que talvez tudo não tenha mais sentido. As besteiras nunca pareceram tão infantis, os batimentos vitais nunca pareceram tão desacelerados. Gira mundo, acelere-se. Nostalgia de sorrisos proibidos, de festas de pijama, das rodinhas de rock'n roll, dos bancos sombreados por flores de outono, das noites bem dormidas, dos olhos de menina. A mochila está vazia e de quase duas décadas não se leva nada. Pendure-se entre todos os amigos e no último dia se verá rodeada de desconhecidos. Pise cabisbaixa em um lugar fora de segurança e descubra um sentimento estranho e verdadeiro de quem deseja seu bem. Era retraída e tinha alma, abriu-se para transformar em cinzas. Morta estando viva, acomodada temendo o futuro sombrio.